Imaginem a seguinte cena: uma sala de aula cheia de crianças perguntando o tempo todo sobre suas curiosidades.
No início todo adulto acha interessante e, além de responder, estimula mais a curiosidade das crianças. Mas chega uma hora em que toda essa efervescência investigativa pode tomar o rumo da bagunça e dispersão das tarefas planejadas, e, aí, ponto final.
Hora de calar, de voltar à concentração e, de preferência, em silêncio para não errar.
Se esta atitude do adulto de fazer calar tornar-se uma rotina na sala de aula, podemos transformar a curiosidade infantil, tão natural, num silêncio cognitivo. As crianças deixam de questionar e de se apropriar de suas perguntas para dar lugar à acomodação, à inércia cognitiva que acaba por adormecer o desejo de aprender, desejo este que Alícia Fernandez, psicopedagoga argentina, diz ser fundamental para a aprendizagem.
Sem este desejo, os alunos não se apropriam do conhecimento e acabam por ser meros transmissores de informação. Alunos com este quadro são facilmente encontrados nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
Acredito que uma das hipóteses para este silêncio cognitivo, esta falta de desejo por apropriar-se do conhecimento, tem a ver com a necessidade de calar na infância. A criança percebe que perguntar demais perturba e, depois de muitas tentativas sem aprovação, acaba por desistir e se acomoda no lugar de aluno mero ouvinte.
Não se trata aqui de transformar a sala de aula num burburinho sem fim, mas de construir espaços de liberdade ”organizada” da expressão, onde todos possam ser desafiados a contribuir com informações e ideias, além de questionar e resolver suas dúvidas.
Nossas crianças perguntam o tempo todo, mas perguntam o quê? É importante que o professor possa organizar essa conversação para que as crianças cresçam aprendendo a investigar. A organização da linguagem traduz uma organização mental, necessária para assimilar e acomodar as informações transformando-as em verdadeiro conhecimento.
Privilegiar no planejamento semanal atividades silenciosas, que exijam a concentração e reflexão individual, bem como atividades coletivas que necessitem da interação social, da troca de conhecimento, da administração do tempo e das individualidades para atender o coletivo, são importantes para que as crianças vivenciem situações diferentes e que desenvolvam competências distintas.
Em sala de aula deve-se procurar instituir os momentos de rodinha, de assembleia para discutir e refletir sobre temas estudados, sobre situações vivenciadas, sobre regras e valores, sobre o andamento das aulas. É preciso permitir que a criança aprenda a avaliar-se e avaliar as situações a sua volta com responsabilidade para que desenvolva autonomia e senso crítico.
Deve-se motivar as perguntas num ambiente seguro para que os alunos se sintam à vontade em dizer “não entendi”, “não sei fazer” e expressem suas dificuldades sem medo de cair no ridículo. O professor, para o aluno, é uma figura que, por vezes, impõe medo e inibe as perguntas ou a expressão da dificuldade. Um ambiente que faz da investigação e do questionamento uma rotina facilita a aprendizagem e diminui o fracasso escolar.
Crianças que aprendem desde pequenas a se expressar, emitir sua opinião, manifestar sua curiosidade tornam-se adolescentes mais envolvidos com a própria aprendizagem, pois fazem da curiosidade o ponto de partida para a pesquisa e reflexão.
Portanto, no processo de aprendizagem é importante que o aluno desenvolva a atenção, o questionamento e investigação, o estudo e a sistematização dos conteúdos e temas, a reflexão individual e coletiva para construir um conhecimento significativo. Todas estas competências são desenvolvidas nos anos iniciais de estudo e aperfeiçoadas durante a vida escolar.
Deixemos que as crianças perguntem, e perguntem muito. Vamos ajudá-las a organizar estas perguntas para que se tornem investigativas e promotoras de aprendizagem.
Janete Cristiane Petry - janetepp@espacodomquixote.com.br
Psicopedagoga do Espaço Dom Quixote
0 comentários:
Postar um comentário