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Anotações sobre clínica com adolescentes



Ultimamente, tenho me ocupado bastante da análise de adolescentes. Uma fase da vida de transição, de sair de uma posição infantil e dependência dos pais, pa ra construção de um adulto. 

Por isso, sugiro a leitura do texto de Diana Corso, Psicanalista e Escritora, para pensarmos e refletirmos na clínica com adolescentes.

Disponível em :http://www.marioedianacorso.com/anotacoes-sobre-clinica-com-adolescentes#more-219

"Quando se trata de adolescentes, é muito delicado saber alguma coisa, e isto não é demagógico, é fato. O efeito deste trabalho é de emburrecimento, enrolação, muitas vezes de ridículo, acompanhado de uma surpreendente efetividade terapêutica… 

Situações como passar meses conversando com um jovem sobre Vampiros, um jogo de RPG, sem dar-se conta de que ele, assim como os vampiros, já havia sido uma criança com graves restrições alimentares, muitas das quais ainda mantinha. Ou ainda: falar muito do comportamento ciumento de uma jovem sem pensar que ela não suportaria fácil uma relação dual, pois vivia só com sua mãe, em um vínculo bem abafado, e um terceiro é muito bem vindo. E o que é pior: quando me dá uma luz e finalmente consigo pensar ou dizer algo inteligente ao meu jovem paciente, algo que possa funcionar como instrumento para tornar uma repetição algo mais eloquente, o vampiro ou a ciumenta parecem não ficar muito emocionados com minha sabedoria, quando muito deixam-me enunciar minhas construções sem um aparente envolvimento com elas. Mas, surpreendentemente, seguem vindo entusiasticamente ao meu consultório, pontuais e assíduos, tendo na rotina da relação, uma seriedade que disfarçam em relação às palavras que ali são jogadas. 

Não é só o saber que está em jogo, é também a própria sustentação egóica do analista que faz questão. Se já não são poucas as vezes que um analista se pergunta sobre a efetividade de seu trabalho, especificamente com o adolescente a pergunta constante é: porque ele continua vindo! 

É preciso de uma vez por todas fazer um diferencial entre os muitos discursos jovens que vem a nossos consultórios e o discurso adolescente, estruturalmente falando. Pessoas colocando-se questões de fundo sobre sua vida, tendo absolutamente tudo por decidir existem aos montes. Os pacientes que precisam terminar de crescer, os que mantém um vínculo infantil com os pais, os que pensam em começar de novo, os que ainda nem começaram, os que vivem para amar e ser amados, os que atribuem aos outros a fonte de seus impasses, estes trazem questões adolescentes. Inclusive há aqueles que só trazem questões adolescentes, o que nos leva a ampliar e inclusive relativizar a questão das idades e pensar num discurso adolescente. 

Pensar a especificidade de uma clínica é basicamente decifrar uma particular articulação da transferência e a psicanálise com crianças auxilia um pouco neste impasse. Nunca vou esquecer um pré-puber que vinha ao meu consultório jogar Banco Imobiliário, passaram-se um, dois, três meses, ele melhorava a olhos vistos, os pais solicitavam uma conversa sobre o andamento do trabalho e eu…sentia que só jogava um jogo! 

Qualquer analista de crianças lerá isto com um riso nos lábios: não existe jogar só um jogo. Joga-se o jogo da transferência onde o menino em questão estava literalmente adorando enriquecer uma vez por semana jogando com uma parceira tão pouco esperta. Ele tentava ganhar o jogo, o que para ele era importante, enquanto eu tentava entender o que se passava, o que para mim era importante. Este desencontro útil para meu paciente, a mim deixou para sempre pensando sobre a inutilidade de tentar entender a transferência e as vantagens de deixar-se jogar seu jogo. 

Quando um adolescente quer falar sobre a diferença entre os diferentes tipos de Rock, ele não quer que eu banque a espertinha e tente ver o que está por trás do que diz, ele quer ser deixado falar sobre isso para jogar com as palavras. Que jogo? 

O jogo de experimentar hierarquizar o que é importante para si e para o mundo, o jogo de descobrir o quanto é importante para a família, os amigos, e o mundo em geral, o que ele pensa a respeito de algo. O adolescente comparece ao consultório do analista também para fazer musculação em seu discurso, deixá-lo forte, bonito e com contornos bem definidos. 

Não é um falar sobre qualquer coisa, por exemplo um jovem cujos pais, funcionários de banco, convivem constantemente com a frustração de não fazer algo mais nobre, a ver com o que estudaram, fala sobre um conjunto de Rock onde todos os membros são antropólogos e parecem fazer o que gostam do jeito que querem. O conjunto em questão ainda por cima tem o interessante nome de “Bad Religion”, um convite à reflexão sobre valores. 

Às vezes fico um pouco constrangida quando leio sobre o silêncio do adolescente e fico a me perguntar se meus pacientes não emudecem porque eu os impeço de fazê-lo. Provavelmente assim seja, porém preciso também justificar minha atitude de provocar a fala, de promover a conversa ativamente, seja perguntando, seja propiciando essa fala-jogo que parece matação de tempo. 

Rassial descreve a depressão adolescente como uma “autêntica questão sobre os fundamentos da existência e uma alavanca dinâmica para uma verdadeira cura”, algo que “não deve ser combatido, às vezes mesmo ser buscado” [1], concordo em gênero e número, e acrescento: algo a ser construído. 

O trabalho de construir um discurso adolescente, ou seja, elaborar com ele a possibilidade de uma crítica, que conserva as características típicas deste momento, em que o sujeito aparentemente não se implica, pois está acima da realidade. Essa posição discursiva é caracterizada como “intransigência moral” ou “idade ética” (Rassial), ou como aquela das “aspirações dos membros não-responsáveis que chacoalham a sociedade”, ou dos elementos da “imaturidade do adolescente, que contém as características mais fascinantes do pensamento criativo” (Winnicott). Trocando em miúdos trata-se da possibilidade de uma vista aérea sobre a vida. Busca-se uma visão geral que ajude a definir parâmetros, rumos, mas que é cronologicamente anterior ao “vivido”."

Publicado no “Correio da APPOA”, número 91, ano IX


Renata Lima - renatapsico@espacodomquixote.com.br
Psicóloga do Espaço Dom Quixote

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