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Documentário brasileiro estreia com alerta poético: É preciso resgatar a criança que mora dentro de nós



Autora: Andressa Basilio
revistacrescer.globo.com

O filme “Tarja Branca – A Revolução que Faltava” reúne diferentes visões sobre o conceito do brincar e como ele é mais importante do que se imagina. Em entrevista à Crescer, o diretor Cacau Rhoden conta os detalhes da produção.


“Brincar é um ato que rompe o tempo e espaço, que inaugura outro tempo e espaço. É uma conexão que é de vínculo, sou eu e o mundo. Porque a criança não vive para brincar, brincar é viver. Ela ali está totalmente inteira, respondendo a sua própria vida, a vida está se exprimindo de dentro dela.” É nas palavras da pedagoga Maria Amélia Pereira que o documentário brasileiro Tarja Branca – A Revolução que Faltava chega a um dos pontos mais bonitos. A produção da Maria Farinha Filmes - mesma de Muito Além do Peso (2012) - chega aos cinemas para discutir um assunto que já não é mais novo, mas que precisa ser cada vez mais ressaltado: a importância do brincar no nosso dia a dia.

O que você vai ver na tela é um costurado de depoimentos de pessoas de diferentes culturas e classes sociais, aliado a fotografia belíssima e tom poético. Portanto, prepare-se para a imersão. Se você não for muito dado a documentários, a estética pode parecer cansativa. Mas persista, a discussão é muito rica e vai fazer você repensar sobre toda a sua vida. Primeiro porque o filme não vai falar sobre o seu filho. É, na verdade, com você que ele quer dialogar. Ou melhor, com o menino ou menina que você foi e que ainda está aí dentro, talvez um pouco escondido. “Aquele menino que você foi está o tempo todo olhando para você e dizendo ‘e aí, o que você fez de mim?'”, pergunta o escritor pernambucano Marcelino Freire, em determinado momento do filme.
Tarja Branca consegue outro feito: ele parte do micro – o brincar – para analisar e levantar os problemas do macro. De um lado, está o Brasil de raiz, ou seja, o país das festas culturais, como Carnaval, frevo e Boi de Parintins; de outro, um país cruel, onde moradores das zonas mais pobres precisam se munir de frieza para ganhar seu sustento, assim como os das zonas mais ricas, para aguentar a rotina dos dias cheios. A partir das contradições e similaridades dessas duas esferas, ele promove uma reflexão sobre o que nós, sociedade, fomos deixando de ganhar com o tempo e o que nós, indivíduos, perdemos pelo caminho. A resposta não é uma só e cabe ao espectador encontrar a sua para, quem sabe, correr em busca do que ficou para trás.

O diretor Cacau Rhoden conversou com a Crescer sobre o filme, suas expectativas e aprendizados durante o processo de produção. Veja a seguir:
CRESCER: O filme começa com o conceito do brincar. Por que vocês acharam importante resgatá-lo? 

Cacau Rhoden
: Quando o convite para fazer um material audiovisual me foi feito, havia o argumento inicial da Maria Farinha Filmes de trazer, como todos os projetos dele, um engajamento, um forte comprometimento social. Pensamos em fazer algo com os brincantes da cultura popular, que são pessoas ligadas às manifestações de festas populares, como o maracatu e a dança do coco. No meio desse processo todo, nos deparamos com uma questão que é como a gente se relaciona com nosso espírito lúdico. Reparei que eu nunca tinha parado para pensar sobre isso, sobre o brincar e o significado dele. Acho que, com o tempo, as pessoas foram subvertendo o significado do brincar e abafando esse espírito lúdico. Então tivemos uma necessidade de colocar isso ao espectador, de estimular essa reflexão que aconteceu com a gente para que o público entendesse o real significado do brincar para, depois, entrar nas demais questões sociais que a gente aborda no filme.

C.: Vocês encontraram personagens muito ricos. Como foi esse processo de busca?

C.R.:
 O filme não foi feito num período só, não tínhamos roteiro. O que aconteceu é que a gente começou entrevistando algumas pessoas que estavam mais próximas do tema, que já discutiam e estudavam a importância do brincar, como o pessoal do Instituto Brincante, e essas pessoas foram trazendo outras para a gente. A única coisa que era um entendimento comum meu e da produtora era que a gente iria abordar o tema a partir de pontos de vistas diversos. Queríamos o psicanalista, o brincante ligado à cultura popular, o iletrado, o intelectual pensador, artistas e pessoas ligadas à educação.

C.: Vocês falam muito em resgatar a criança que existe dentro de você. Como você fez para resgatá-la?

C.R.:
 O filme não é um chamado para a gente resgatar a infância perdida, não. É um questionamento, é para lembrarmos de como éramos quando criança, de nossos anseios e de como víamos o mundo e como fomos perdendo isso pelo caminho. As pessoas que estão no filme, em grande parte, tem uma ligação direta ou indireta com o brincar. E eu nunca tinha parado para refletir e essas pessoas me ajudaram ao expor seus sentimentos, suas indignações e filosofias de vida. Acabaram por me contaminar e isso fez com que eu me conectasse comigo mesmo, com o mundo e com os outros de outra maneira. Acho que foi ouvindo tudo o que eles disseram e parando para refletir que eu consegui resgatar uma essência minha que estava um pouco abafada pela rotina. Eu acho, e espero, que os espectadores sintam a mesma coisa. E, antes, espero que cada vez mais pessoas tenham acesso ao filme, que vão ao cinema, que divulguem para os amigos. É uma necessidade urgente da sociedade refletir sobre como nós nos relacionamos com o tempo, como fazemos nossas conexões com nós mesmos e com os outros, como estamos ficando angustiados com nossa própria existência. Espero que a gente consiga tocar o coração das pessoas.

Indicação de leitura realizada pela psicóloga Fabíola Scherer Cortezia, especialista e Infância e Adolescência. 
fabiola@espacodomquixote.com.br

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