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O sintoma na infância



A infância é repleta de sintomas. Fase que borbulha descobertas, em que a pequena criança começa a se aventurar por um universo de possibilidades para além daquele espaço em torno de si e do corpo da mãe. Mesmo quando tudo “vai bem”, os sintomas aparecem, são aqueles chamados estruturais - necessários, digamos assim, para que a criança possa neles sustentar seu crescimento. Aqui não falamos, então, de sofrimento psíquico, mas sim dos sintomas do desenvolvimento (que são para todos), frente à demanda do Outro. 

Segundo Mannoni (1987), o sintoma vem no lugar de uma palavra que falta ou como uma máscara ou palavra cifrada. 

O fantasma, isto é, o sintoma, aparece como um véu, cuja função é esconder o texto original ou o acontecimento perturbador. Enquanto o sujeito permanece alienado em seu fantasma, desordem se faz sentir ao nível do imaginário: é para Hans a sua fobia de cavalos; para o homem dos lobos, suas fobias e finalmente sua alienação nesse corpo fantasmado. O sintoma, como mostra Freud, inclui sempre o indivíduo e o Outro. (Mannoni, 1987, p. 38) 

Para Freud (1926), um sintoma (pensando-se em sofrimento), é um sinal e um substituto de uma satisfação instintual que permaneceu em estado jacente; é uma consequência do processo de repressão. A repressão se processa a partir do ego quando este – pode ser por ordem do superego - se recusa a associar-se com uma catexia instintual que foi provocada no id. O ego é capaz, então, por meio de repressão, de conservar a ideia que é o veículo do impulso repreensível a partir do tornar-se consciente. A análise revela que a ideia amiúde persiste como uma formação inconsciente. 

Em contraponto a isso, podemos pensar no desenvolvimento infantil, e nas crianças bem pequenas e seus medos, algo que lhes toma intensamente e que muitas vezes os impossibilita de realizar ou finalizar alguma atividade: um passeio com a intenção de “conhecer” o Papai Noel, mas que a criança paralisa a alguns passos de seu objetivo; ou ainda todo imaginário em torno de um quarto escuro e os monstros e bruxas que ali podem habitar. Existem ainda os amigos imaginários, que os possibilitam pensar (idealizar) e vivenciar como gostariam que suas relações se dessem no real. Enfim, a lista é bastante extensa, e está toda a serviço dessa árdua tarefa que é crescer e se constituir um sujeito. 

Segundo Corso (2005), infância e monstros andam juntos. Tais monstros comparecem ao chamado delas, mas a questão é discernir quando eles vêm para ajudá-las, das vezes em que o susto é fonte de sofrimento. Segundo o autor, muitas vezes eles estão a serviço de ajudá-las no processo de crescimento, na medida em que catalisam a angústia difusa da criança, permitindo a transição da vigília para o sono. Pode parecer ruim, mas é melhor sentir medo de alguma coisa específica, que tem até nome (por exemplo, a “Cuca”), do que angústia. 

“O medo é algo que se pode controlar, sabemos onde está, já a angústia não tem contornos, está em toda parte e ninguém pode nos ajudar. Seria muito pior ficar olhando a escuridão sem poder supor o que ela esconde, sabe por que? Porque no escuro ou ao adormecer os pequenos (e as vezes os grandes) perdem-se de seus contornos pessoais, sentem-se diluídos, inexistentes, dá vertigem, medo de morrer. Se o monstro está em baixo da cama, ou é nomeado pela cantiga de ninar, então a mãe, esse ser gigantesco e poderoso, que faz dos bebês o que quer, não é a encarnação do monstro. Paradoxalmente, nesse momento o monstro ajuda a criança a acalmar-se para adormecer.” (Corso, 2005; p. 2) 

Referências bibliograficas: 
CORSO, Mario. “Cada criança tem seu monstro da guarda”. Publicado no Jornal Zero Hora, Caderno Meu Filho – 2005. 
FREUD, Sigmund. “Inibições, sintomas e ansiedade”. 1926 in Obras Completas. MANNONI, Maud. “A criança sua “doença” e os outros”. Tradução A. C. Villaça – 3ª edição – Rio de Janeiro; Guanabara, 1987.


Janaína Carloto - janainapsico@espacodomquixote.com.br
Psicóloga do Espaço Dom Quixote

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