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O desafio de se ter um autista em casa



Neste Dia Mundial do Autismo não pretendo falar dos sintomas das crianças autistas, nem de como elas aprendem, nem de dicas de atividades, pois para a nossa alegria, os meios de comunicação estão versando muito sobre este assunto nas últimas semanas. 

Pretendo falar um pouco sobre o desafio de se ter um autista em casa... 

Desde que comecei a trabalhar com crianças com Transtorno de Espectro Autista me chamou muito a atenção, o empenho dos pais na busca por soluções, por leituras, por tratamentos. Grupos e ONGs se unem em busca de ideias e respostas para este transtorno. Pais se tornam amigos, confidentes nas suas trocas. As salas de espera dos consultórios viram Grupos de Autoajuda, os facebook’s dos pais viram trocas de receitas sobre o que deu certo neste desafio cotidiano para estimular as crianças autistas. Comportamento louvável de mães incansáveis e famílias que não medem esforços na busca do bem-estar de seus pequenos. Isso sempre me fascinou, mas ultimamente vem me preocupando muito também.

Ao observarmos as famílias de crianças autistas, percebe-se que não sobra vitalidade para as outras questões familiares, que a criança autista e sua causa ocupam um espaço imenso na dinâmica familiar e falta lugar para existir um casal, para existir um irmão menor que seja peralta ou um irmão maior “aborrescente”. Falta lugar para uma mãe que deseja se arrumar ou que deseja ter um futuro profissional reconhecido. Falta lugar para todo e qualquer desejo outro que não a “cura” do autismo. 

A luta pela causa do filho fortalece os pais e os faz criar laços com pessoas que tem o mesmo problema, o que é saudável, em certa proporção. No entanto, aos poucos, se constituem famílias autistas, com pouco ou nenhum contato social outro que não de quem tem a mesma dor. Famílias que se “ensimesmam” em suas casas nos finais de semana porque sair para um restaurante com uma criança com espectro autista é um desafio grande. Pais que não se autorizam a deixar os filhos com outro familiar para fazerem programas a dois, afinal, quem da família se habilitará a ficar com a criança? 

Neste Dia Mundial do Autismo sugiro que possamos refletir sobre as famílias que tem um autista em casa e no quanto o resgate do desejo, da vida social e da vida própria são importantes para o bem-estar da família. Os casais precisam resgatar sua vida a dois, as mães precisam ter vida própria, os irmãos outros precisam de espaço, de brincadeiras e talvez até de tratamentos também. 

Elogio os pais pela incansável luta pelo autismo, mas os desafio a lutarem, concomitantemente, pelo direito de seu descanso, de sua felicidade, de seus desejos. Um desafio grande, eu sei, pois para isso precisarão que os outros familiares deem uma mãozinha, que os terapeutas do filho lhes orientem e que deixem a culpa um pouquinho de lado, mas ao final, garanto, valerá a pena! 

Um bom dia de descanso, um baile a dois, um folga no meio da semana os deixarão recarregados de energia para lutarem novamente pela causa do autismo. Afinal, uma família com um filho autista é muito mais do que uma família com um filho autista e assim precisa ser... É uma mulher com projetos próprios, um homem e seus planos, outros filhos com muitas outras questões. A causa autista é nobre, mas abrir espaço para outras questões na família é tão nobre quanto, e com certeza ajudará os pais a se sentirem mais fortalecidos e unidos. 

Admiro imensamente os pais de crianças autistas e essa contribuição se dá justamente porque sei o quanto dão a vida por essa causa, mas me preocupo com eles, pois precisam de colo, carinho, afeto, lazer, descanso e amor, como todos os outros seres humanos e inicio com este texto uma corrente para que estes pais também lutem por esta causa.


Fabiola Scherer Cortezia - fabiola@espacodomquixote.com.br
Psicóloga do Espaço Dom Quixote

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